Estudo aponta cená­rio de pro­du­ção de até US$ 15,6 bi ao ano, com impacto em vários Esta­dos

Os mine­rais crí­ti­cos têm poten­cial para se tor­nar o novo pré sal do Bra­sil. Mesmo em cená­rios con­ser­va­do­res e com ape­nas 27% das reser­vas conhe­ci­das já pros­pec­ta­das, o valor bruto de pro­du­ção des­sas cadeias — que con­siste no valor total da pro­du­ção a pre­ços de mer­cado, cal­cu­lado antes de des­con­tar cus­tos e insu­mos — pode alcan­çar US$ 15,6 bilhões anu­ais até 2030. O volume repre­senta alta de 187% em rela­ção a 2024, impul­si­o­nada pela tran­si­ção energé­tica glo­bal. A escala dessa opor­tu­ni­dade remete ao impacto do pré-sal. A explo­ra­ção de petró­leo em águas pro­fun­das reve­lou mais de 50 bilhões de bar­ris equi­va­len­tes e gerou mais de US$ 40 bilhões por ano em pro­du­ção bruta, além de estru­tu­rar uma cadeia naci­o­nal sofis­ti­cada de enge­nha­ria, equi­pa­men­tos e ser­vi­ços.

Os cál­cu­los inte­gram estudo ela­bo­rado a pedido do Valor pelo pro­fes­sor de eco­no­mia da Uni­ver­si­dade de Bra­sí­lia (UnB) Jorge Arba­che e pelo pes­qui­sa­dor do Ins­ti­tuto de Pes­quisa Eco­nô­mica Apli­cada (Ipea) Rafael Leão. Com base nes­ses resul­ta­dos, os auto­res afir­mam que o Bra­sil passa a deter poder de bar­ga­nha rele­vante ao con­cen­trar reser­vas estra­té­gi­cas dis­pu­ta­das por Esta­dos Uni­dos, Europa e China, o que abre espaço para nego­ciar agre­ga­ção de valor no país.

O Bra­sil ocupa hoje uma posi­ção para­do­xal no con­texto geo­po­lí­tico dos mine­rais crí­ti­cos da tran­si­ção energé­tica: é grande deten­tor de reser­vas, mas pequeno pro­du­tor, o que resulta no des­per­dí­cio de um enorme poten­cial eco­nô­mico em ter­mos de renda, indus­tri­a­li­za­ção e tec­no­lo­gia. Essa lacuna — típica de paí­ses que não con­ver­tem van­ta­gem com­pa­ra­tiva em van­ta­gem com­pe­ti­tiva — é jus­ta­mente onde reside o prin­ci­pal poten­cial eco­nô­mico men­su­rá­vel para as pró­xi­mas déca­das.

Segundo os pes­qui­sa­do­res, o país já mos­trou ser capaz de rom­per esse tipo de arma­di­lha. O pré-sal é a refe­rên­cia his­tó­rica mais clara de como a explo­ra­ção de recur­sos natu­rais pode impul­si­o­nar diver­si­fi­ca­ção pro­du­tiva, sofis­ti­ca­ção indus­trial e ganhos eco­nô­mi­cos de escala. Na visão dos auto­res, os mine­rais crí­ti­cos têm poten­cial para desem­pe­nhar papel seme­lhante, em um con­texto em que a tran­si­ção energé­tica ace­lera a demanda glo­bal por esses insu­mos. Veí­cu­los elé­tri­cos, por exem­plo, con­so­mem cerca de cinco vezes mais mine­rais do que os mode­los a com­bus­tão, de acordo com a Agên­cia Inter­na­ci­o­nal de Ener­gia (IEA).

“Se o Bra­sil repe­tir o que o pré-sal fez para o petró­leo, porém, agora com maior dis­tri­bui­ção ter­ri­to­rial e maior sofis­ti­ca­ção tec­no­ló­gica, o país poderá: mul­ti­pli­car expor­ta­ções; criar novos clus­ters indus­tri­ais (Minas Gerais-Goiás–Bahia, Piauí–Ceará, Pará-Amapá); ele­var pro­du­ti­vi­dade; atrair pes­quisa e desen­vol­vi­mento inter­na­ci­o­nais; gerar recei­tas públi­cas pere­nes pelo paga­mento de royal­ties; e criar uma indús­tria verde inte­grada ao comér­cio glo­bal. Mesmo em cená­rios con­ser­va­do­res, o valor eco­nô­mico é sig­ni­fi­ca­tivo”, enfa­ti­zam.

Para men­su­rar o poten­cial eco­nô­mico dos mine­rais crí­ti­cos, os auto­res cons­tru­í­ram três cená­rios con­ser­va­do­res, a par­tir de dados do Anu­á­rio Mine­ral Bra­si­leiro da Agên­cia Naci­o­nal de Mine­ra­ção (ANM), parâ­me­tros médios de pre­ços inter­na­ci­o­nais e domés­ti­cos e padrões glo­bais de pro­ces­sa­mento e agre­ga­ção de valor.

As esti­ma­ti­vas con­si­de­ram o valor bruto da pro­du­ção mine­ral, e não o valor adi­ci­o­nado, e levam em conta o tama­nho das reser­vas já mape­a­das, o suba­pro­vei­ta­mento atual — evi­den­ci­ado pela lacuna entre reser­vas e pro­du­ção efe­tiva —, o impacto da expan­são da pro­du­ção e com­pa­ra­ções his­tó­ri­cas com o pré-sal. Hoje, ape­nas cerca de 27% do ter­ri­tó­rio bra­si­leiro foi ade­qua­da­mente pros­pec­tado. Esse é um dado que suge­rem, por exem­plo, amplo espaço para novas des­co­ber­tas e explica o por­quê os cená­rios tra­ça­dos são con­si­de­ra­dos con­ser­va­do­res.

No cená­rio “padrão-mundo” esti­mado no estudo, os pes­qui­sa­do­res con­si­de­ram que a pro­du­ção bra­si­leira se equi­para à velo­ci­dade média glo­bal obser­vada entre 2017 e 2023, mas o país per­ma­nece con­cen­trado na extra­ção, sem capa­ci­dade rele­vante de refino e pro­ces­sa­mento, man­tendo um per­fil essen­ci­al­mente expor­ta­dor de com­mo­di­ties mine­rais. Nesse cená­rio, o valor da pro­du­ção mine­ral bene­fi­ci­ada de cobre, gra­fita, man­ga­nês, níquel, ter­ras raras e lítio cresce 4,6% ao ano, até 2030, alcan­çando US$ 7,1 bilhões, ante US$ 5,4 bilhões em 2024, o que repre­senta alta de 31% (a um câm­bio médio de R$ 5,5 por dólar).

O cená­rio “padrão-tran­si­ção energé­tica” incor­pora pro­je­ções mais ace­le­ra­das de cres­ci­mento da demanda glo­bal por esses mine­rais no perí­odo de 2024 a 2030, con­forme aponta a IEA. Ou seja, esse cená­rio pres­su­põe um fluxo mais intenso de inves­ti­men­tos em expan­são da capa­ci­dade extra­tiva, mas sem avanço rele­vante no refino. Neste caso, mesmo res­trito ao elo mine­ra­dor, o valor da pro­du­ção bene­fi­ci­ada de cobre, gra­fita, man­ga­nês, níquel, ter­ras raras e lítio cresce 9,2% ao ano, até 2030, alcan­çando US$ 9,2 bilhões, aumento de 69% em rela­ção ao pata­mar de 2024.

Já o cená­rio “padrão-indus­tri­a­li­za­ção das van­ta­gens com­pa­ra­ti­vas” com­bina forte expan­são da capa­ci­dade extra­tiva com a inter­na­li­za­ção de eta­pas bási­cas de refino e pro­ces­sa­mento mine­ral.

Nessa simu­la­ção, o Bra­sil é capaz de pro­ces­sar metade da pro­du­ção bene­fi­ci­ada, pro­du­zindo maté­rias-pri­mas meta­lúr­gi­cas e quí­mi­cas, como cáto­dos de cobre e níquel, man­ga­nês ele­tro­lí­tico, hidró­xido de lítio grau bate­ria e óxi­dos de ter­ras raras. Nesse caso, o valor da pro­du­ção com­bi­nada dos mine­rais con­cen­tra­dos e dos mine­rais pro­ces­sa­dos e refi­na­dos cres­ce­ria 19,2% ao ano até 2030, alcan­çando US$ 15,6 bilhões em 2030, salto de 187% com­pa­rado ao valor da pro­du­ção mine­ral bene­fi­ci­ada de 2024.

Além do impacto na pro­du­ção mine­ral, a con­so­li­da­ção das cadeias de mine­rais crí­ti­cos teria efei­tos macro­e­co­nô­mi­cos rele­van­tes, ele­vando o Pro­duto Interno Bruto (PIB) poten­cial, gerando expor­ta­ções adi­ci­o­nais e ampli­ando de forma sig­ni­fi­ca­tiva as recei­tas públi­cas fede­rais, esta­du­ais e muni­ci­pais, mesmo em cená­rios con­ser­va­do­res.

Dife­ren­te­mente do pré-sal, con­cen­trado geo­gra­fi­ca­mente, as pro­vín­cias de mine­rais crí­ti­cos estão espa­lha­das por diver­sos Esta­dos. Isso tende a gerar um cho­que de desen­vol­vi­mento des­cen­tra­li­zado, com ganhos para muni­cí­pios do inte­rior por meio de royal­ties e inves­ti­men­tos em infra­es­tru­tura, saúde e edu­ca­ção. A expan­são do setor pode ainda via­bi­li­zar cadeias meta­lúr­gi­cas e quí­mi­cas, além da pro­du­ção de com­po­nen­tes avan­ça­dos para ener­gia eólica, solar, arma­ze­na­mento e bate­rias, redu­zindo a depen­dên­cia da expor­ta­ção de miné­rios bru­tos e ele­vando a pro­du­ti­vi­dade e a capa­ci­dade de ino­va­ção do país.

Segundo os auto­res, pro­je­ções de mer­cado indi­cam que a oferta glo­bal des­ses mine­rais deve se tor­nar insu­fi­ci­ente já em mea­dos da pró­xima década. Isso abre espaço para que o Bra­sil, com mais inves­ti­men­tos, ajude a esta­bi­li­zar o for­ne­ci­mento glo­bal de maté­rias-pri­mas, com­po­nen­tes e, even­tu­al­mente, pro­du­tos finais essen­ci­ais para a tran­si­ção energé­tica.

Para o físico e ambi­en­ta­lista Dél­cio Rodri­gues, dire­tor-exe­cu­tivo do Ins­ti­tuto Cli­ma­Info, é essen­cial que o país apro­veite suas reser­vas de miné­rios crí­ti­cos para redu­zir a desi­gual­dade. “Como a extra­ção de petró­leo, a mine­ra­ção é con­cen­tra­dora de renda e, em suas ope­ra­ções no Bra­sil, as con­di­ções de tra­ba­lho e a remu­ne­ra­ção dos tra­ba­lha­do­res são muito pre­cá­rias, salvo raras exce­ções. Não será com um boom nas expor­ta­ções de miné­rios que rever­te­re­mos esta situ­a­ção. Para isso, pre­ci­sa­re­mos de polí­ti­cas públi­cas, inves­ti­mento em pes­quisa e desen­vol­vi­mento, dire­ci­o­na­mento polí­tico e sal­va­guar­das socio­am­bi­en­tais”, diz.

Segundo ele, o com­bate à desi­gual­dade e o cui­dado com o meio ambi­ente têm que deter­mi­nar o rumo do mer­cado de mine­rais crí­ti­cos. “Sem isso, quem ganhará, mais uma vez, será um punhado de inves­ti­do­res, e quem per­derá serão as popu­la­ções atin­gi­das pelos impac­tos da mine­ra­ção, as nos­sas águas e a nossa bio­di­ver­si­dade”, acres­cen­tou.

“Bra­sil tem poten­cial de esta­bi­li­zar o for­ne­ci­mento glo­bal de maté­rias-pri­mas nos pró­xi­mos anos”

Fonte: Valor Econômico, Gior­danna Neves De Bra­sí­lia e Fórum do Futuro – www.forumdofuturo.org/