O Empreendedorismo e a Pandemia do COVID-19

Luiz Carlos Aceti Junior[1]

Maria Flavia Curtolo Reis[2]

Em tempos de Pandemia do COVID-19, de norte a sul, todos sentirão seus efeitos, no bolso, na saúde. A intensidade vai depender de uma série de fatores, como a condição financeira do cidadão, sua saúde, o ambiente em que trabalha ou vive, etc.

                Certo é que todos estão sujeitos a contrair a doença e transmiti-la a outras pessoas. Por isso, é uma questão de saúde pública respeitar as recomendações do Ministério da Saúde.

                O Decreto Legislativo nº 6/20, reconheceu o estado de calamidade pública, para fins de enquadramento na Lei de Responsabilidade Fiscal (Art. 65 da Lei Complementar 101 de 04/05/2000) e entrou em vigor a partir de 20/03/2020, data de sua publicação no Diário Oficial. Vide https://www.conjur.com.br/dl/decreto-legislativo-2020-coronavirus.pdf

                O Estado de São Paulo e diversos municípios seguiram a mesma medida.

                Apesar das orientações de que as pessoas fiquem em casa para diminuir a curva de crescimento da doença, há algumas atividades que não podem parar. Além da área médica, que é dispensável explicar os motivos, há outras que também foram consideradas essenciais, como segurança, iluminação pública, captação, tratamento e distribuição de água, fiscalização do trabalho, entre outras.

                O Decreto nº 10.282, de 20/03/2020, (alterado pelo Decreto, nº 10.292, em 25/03/2020), regulamenta a Lei nº 13.979, de 6/02/2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais. O artigo 3º, §1º, define quais são eles:

…aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população…

                O Decreto também considera como atividade essencial:

…as atividades acessórias, de suporte e a disponibilização dos insumos necessários a cadeia produtiva relativas ao exercício e ao funcionamento dos serviços públicos e das atividades essenciais.

Com relação às atividades agropecuárias, foram consideradas essenciais:

  • produção, distribuição, comercialização e entrega, realizadas presencialmente ou por meio do comércio eletrônico, de produtos de … alimentos e bebidas;
  • transporte e entrega de cargas em geral;
  • prevenção, controle e erradicação de pragas dos vegetais e de doença dos animais;
  • cuidados com animais em cativeiro;
  • vigilância e certificações sanitárias e fitossanitárias;
  • inspeção de alimentos, produtos e derivados de origem animal e vegetal;
  • vigilância agropecuária internacional;
  • controle de tráfego aéreo, aquático ou terrestre;
  • fiscalização ambiental, tributária e aduaneira.

O texto legal alerta para que na execução das atividades sejam tomadas todas as medidas preventivas para redução da transmissibilidade do COVID-19.

É importante alertar que a Portaria Interministerial nº 5, dos Ministérios da Saúde e da Justiça e Segurança Pública, conferiu caráter obrigatório ao conteúdo do artigo 3º da Lei nº 13.979/2020. Se o cidadão desobedecer a medidas como a quarentena, isolamento (determinação médica ou do agente saúde) ou realização compulsória de exames poderá incorrer na prática de crimes.

Para as demais pessoas, respeitar a quarentena, sem uma ordem de autoridade competente, é mais uma questão moral pois não configura crime.

Para o setor privado, no momento, não há determinações, apenas recomendações. É preciso manter-se informado e acompanhar as alterações de legislação.

A CLT vigente, em seu artigo 157, diz que “cabe às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho” e no artigo 158, aos empregados, observar as normas de segurança e medicina do trabalho e colaborar com a empresa na aplicação das normas. Comete falta o empregado que se recusa injustificadamente a seguir as instruções do empregador.

Quanto às normas regulamentadoras, NR, sua observância também é obrigatória para empregadores e empregados, urbanos e rurais.

/…/ A observância das NR não desobriga as organizações do cumprimento de outras disposições que, com relação à matéria, sejam incluídas em códigos de obras ou regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios, bem como daquelas oriundas de convenções e acordos coletivos de trabalho.

/…/

1.4.1 Cabe ao empregador: (Retificação da Portaria SEPRT 916/2019 em 05/08/2019)

a) cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho;

b) informar aos trabalhadores:

I – os riscos ocupacionais existentes nos locais de trabalho;

II – as medidas de controle adotadas pela empresa para reduzir ou eliminar tais riscos;

/…/

1.4.1 Cabe ao empregado:

a) cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho;

1.4.2 Cabe ao trabalhador:

a) cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho, inclusive as ordens de serviço expedidas pelo empregador; /…/

Caso algum colaborador fique doente ou leve o COVID-19 para seu lar, poderá, em tese, responsabilizar seu empregador pela omissão às determinações das autoridades públicas quanto às medidas sanitárias e de saúde pública que precisariam ser adotadas e não o foram, ou não foram suficientes para evitar propagar o vírus.

Para aquelas empresas que não possuem meios de suspender suas atividades, recomenda-se que o respectivo departamento de recursos humanos verifique a possibilidade de adotar as previsões contidas na Medida Provisória nº 927, de 22/03/2020 que prevê basicamente o seguinte:

I – o teletrabalho;

II – a antecipação de férias individuais;

III – a concessão de férias coletivas;

IV – o aproveitamento e a antecipação de feriados;

V – o banco de horas;

VI – a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;

VII – o direcionamento do trabalhador para qualificação; e

VIII – o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

Importante ressaltar que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou a Portaria nº 116, de 26/03/2020, onde fez previsão sobre os serviços, as atividades e os produtos considerados essenciais pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para o pleno funcionamento das cadeias produtivas de alimentos e bebidas, para assegurar o abastecimento e a segurança alimentar da população brasileira enquanto perdurar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia da COVID-19.

Já em 01/04/2020, foi editada a Medida Provisória n° 936 (MPV 936/2020) pela Presidência da República, que trata de medidas trabalhistas visando a preservação dos empregos e de renda, a continuidade das atividades laborais e empresariais e a redução do impacto social, durante a pandemia reconhecida pelo Decreto Legislativo n° 6, de 20/03/2020 e da emergência de saúde pública de nível mundial decorrente do Covid-19.

O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, instituído pela MPV 936/20, permite que os empregadores, durante o período da pandemia, valham-se do instituto da força maior para a adoção de algumas medidas trabalhistas. Previsto no artigo 501 da CLT, força maior é “todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”.

A MPV 936/20 poderá atingir cerca de 24 milhões de trabalhadores e já tem sofrido críticas e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em andamento.  

Em liminar proferida na ADI 6363 MC / DF, pelo Ministro Ricardo Lewandowski, ontem, 06/04/2020, os acordos individuais de redução de jornada, salário ou suspensão temporária de contrato de trabalho deverão, até que haja o julgamento desse processo pelo plenário do STF, ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes.

O atual contexto trabalhista exige dos empregadores bastante cautela na escolha das decisões.

Três são as medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda:

I – o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda;

II – a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e

III – a suspensão temporária do contrato de trabalho.

O Benefício Emergencial será pago aos trabalhadores afetados com a redução proporcional de jornada de trabalho ou suspensão temporária do contrato de trabalho e será custeado com recursos da União. Efetuado o acordo com o trabalhador, o empregador terá 10 dias para comunicar o Ministério da Economia (aguarda-se orientação de como essa comunicação será feita). E agora, com a liminar mencionada acima, o sindicato laboral também deverá ser comunicado, em igual prazo.

A base de cálculo do valor do benefício será o valor mensal do seguro-desemprego que o trabalhador teria direito a receber.

Nos casos de redução da jornada de trabalho, deve-se celebrar acordo com o trabalhador pelo prazo de até 90 dias, mantendo-se o valor do salário-hora.

A jornada poderá ser reduzida em 25%, 50% ou 70% por acordos individuais.

• 50% e 70% para os trabalhadores que recebem até três salários mínimos;

• Qualquer percentual para os trabalhadores que têm remuneração superior a duas vezes o teto do Regime Geral da Previdência Social e que tenham concluído curso superior.

Já a redução de jornada realizada por meio de acordo coletivo de trabalho poderá ser celebrada com todos os trabalhadores, indistintamente. Nestes casos, poderá haver definição de percentuais menores que 25%, 50% e 70% ou maiores. Nestes casos, o pagamento do benefício emergencial será feito da seguinte forma:

• Redução inferior a 25%: não terá direito ao recebimento do benefício emergencial;

• Redução entre 25% e 50%: terá direito ao recebimento do benefício no percentual de 25% do seguro-desemprego;

• Redução entre 50% e 70%: terá direito ao recebimento do benefício no percentual de 50% do seguro-desemprego;

  • Redução acima 70%: terá direito a 70% do seguro-desemprego.

Os casos de suspensão do contrato de trabalho poderão ter um prazo máximo de 60 dias.

O trabalhador fará jus a receber o equivalente a 100% do valor do seguro-desemprego a que o empregado teria direito ou, nos casos das empresas com receita bruta superior a $ 4,8 milhões, a 70% pagos pela União e os outros 30% serão de responsabilidade da empresa.

Tanto no caso dos empregados que recebem até 03 salários mínimos, ou para aqueles que recebem acima de duas vezes o valor do teto do Regime Geral de Previdência Social e que tenham curso superior, a suspensão poderá ocorrer por acordo individual de trabalho.

Para os demais casos, a suspensão será formalizada mediante acordo coletivo de trabalho.

O empregador deverá comunicar o empregado da suspensão de seu contrato de trabalho com no mínimo 02 dias de antecedência e o prazo máximo de suspensão deverá ser de 60 dias.

Nesse período, o empregado não poderá realizar atividades, seja em teletrabalho ou à distância.

De acordo com a MPV936/2020, alguns trabalhadores não terão direito ao recebimento do benefício emergencial: trabalhadores com benefícios de prestação continuada do Regime Geral da Previdência Social (RGPS); trabalhadores com benefícios de prestação continuada dos Regimes Próprios de Previdência Social; ou aqueles que já recebam seguro-desemprego.

Será reconhecida a garantia provisória no emprego aos empregados que receberem o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, em razão da redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho de que trata a Medida Provisória 936/20, durante o período acordado de redução da jornada ou de suspensão temporária do contrato de trabalho e após o restabelecimento da jornada de trabalho ou do encerramento da suspensão temporária do contrato de trabalho, por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão.

Então, se o empregado teve a suspensão de contrato por 60 dias, ele terá garantia de emprego por mais 60 dias.

Voltando às atividades normais, o trabalhador terá direito a ter sua jornada de trabalho e remuneração restabelecidos.

Importante também citar que haverá um auxílio emergencial ao trabalhador intermitente, com contrato de trabalho formalizado até o dia 01/04/2020. Farão jus a receber um auxílio no valor mensal de R$600,00 e poderá ser concedido por até 90 dias.

Caso o trabalhador possua mais de um contrato de trabalho nesta modalidade, receberá apenas 01 benefício de R$ 600,00.

Titulares de auxílio-acidente e pensionistas poderão receber o auxílio emergencial.

A MPV prevê que é possível renegociar os acordos ou convenções coletivas de trabalho anteriormente celebrados, para readequação de seus termos, até o dia 11/04/2020. 

O empreendedor precisa ter cuidado redobrado, pois a inobservância das determinações do Ministério da Saúde e demais órgãos responsáveis poderá resultar na prática de crimes previstos no Código Penal.

Código Penal – artigo 131 tipifica as consequências daquele que pratica atos capazes de transmitir moléstia grave a outras pessoas: reclusão (prisão) de 01 a 04 anos, e multa.

Código Penal – Artigo 267 fala sobre causar epidemia através da disseminação de germes patogênicos e atribui pena bastante pesada, reclusão de 10 a 15 anos.

Código Penal – Artigo 268: prevê detenção de 01 mês a 01 ano, e multa, para quem infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.  

Código Penal – Artigo 330 prevê detenção de 15 dias a 06 meses, e multa nos casos de desobediência a ordem legal de funcionário público.

E, certo é que a infração a estas medidas determinadas – seja por decisões judiciais dirigidas a empresas específicas, seja por decretos a serem observados por toda a extensão estadual ou municipal – pode configurar a prática do delito previsto no art. 268 do Código Penal, que pune a conduta de quem infringe determinação do poder público destinada a impedir a propagação de doença contagiosa. É claro que a configuração do crime dependerá de outras circunstâncias, como o dolo, a inexigibilidade de conduta diversa, o erro no cumprimento da determinação em razão da existência de decretos de esferas da federação distintas, etc.

Assim, o funcionário ou colaborador que estiver com suspeita ou for diagnosticado com o COVID-19, deve se atentar para a obrigação das medidas de isolamento ou quarentena, dado que o descumprimento pode também configurar em tese a prática dos crimes de desobediência ou infração de medida sanitária preventiva – como prevê a própria Portaria Interministerial nº 5, dos Ministérios da Saúde e da Justiça e Segurança Pública.

Por fim, é necessário que o Empreendedor esteja atento ao conteúdo das normas vigentes que estão a surgir e, considerando as circunstâncias de cada atividade empresarial, resguarde-se com a devida transparência e boa-fé sobre a concreta possibilidade do seu cumprimento.


[1] Advogado. Pós-graduado em Direito de Empresas. Especializado em Direito Ambiental, Direito Empresarial Ambiental, Direito Agrário Ambiental, Direito Ambiental do Trabalho, Direito Minerário, Direito Sanitário, Direito de Energia, Direito em Defesa Agropecuária, e respectivas áreas afinsDireito Empresarial Ambiental, Direito Agrário Ambiental, e Direito Administrativo. Mestrado em Direito Internacional com ênfase em direito ambiental e direitos humanos. Professor de pós-graduação em direito e legislação ambiental de várias instituições de ensino. Palestrante. Parecerista. Consultor de empresas na área jurídico ambiental. Escritor de livros e artigos jurídicos em direito empresarial e direito ambiental. Consultor de portal www.mercadoambiental.com.br . Diretor da Aceti Advocacia www.aceti.com.br . Diretor da Aceti Consultoria S/C Ltda. www.acdp.com.br .

[2] Advogada. Pós-graduada em Direito de Empresas. Especializada em Direito Empresarial Ambiental, Direito Contratual e Obrigações Financeiras. Integrante da Aceti Advocacia www.aceti.com.br